Sonho americano (parte três)

Na terceira matéria da série de reportagens sobre brasileiros ilegais nos Estados Unidos, O Beltrano conta o drama de Olívio, que há três anos não se encontra com a esposa


Por Clarissa Carvalhaes

Correspondente em Nova York

Olívio, a direita, e sua família. Arquivo pessoal

Ir ao estádio ver o time do coração. Reencontrar amigos e rever a família para, só assim, se sentir em casa. São muitos os motivos que fazem Olívio Nonato Junior, de 65 anos, querer voltar para o Brasil.

Quando deixou São Sebastião da Grama, interior de São Paulo, em 27 de julho de 1998, o entregador de pizzas não imaginava que a distância e as dificuldades para sobreviver sozinho num país estranho seriam tão grandes.

“Eu tinha 45 anos e vim porque precisava melhorar de vida. Na época, eu trabalhava em um atacado. Quando tomei a decisão, meu chefe que me incentivou a tentar a sorte. Minha esposa e minha filha também me deram total apoio, mas quando o dia da viagem chegou foi uma choradeira danada. Cheguei aqui com o coração partido”, recorda.

Olivio atravessou o saguão do aerporto de Nova York e passou pela imigração sem qualquer problema. O irmão, que já vivia no país há um bom tempo, foi o primeiro a acolhê-lo.

“Ele me trouxe para Bridgeport, em Connecticut, cidade em que vivo até hoje. Já no segundo dia saí para procurar trabalho e arranjei três de uma vez. Ah, menina, naquela época isso aqui era bom… A gente caminhava um quilômetro procurando trabalho e encontrava fácil”.

Vida dura

Se, para as mulheres imigrantes e ilegais, os trabalhos mais acessíveis são os de babá e limpeza de casa, para os homens as oportunidades estão nas áreas de construção e entrega de pizza. Olívio conhece muito bem as duas atividades e garante que “não existe dinheiro fácil na América”.

Mesmo com a possibilidade de trabalhar em restaurantes desde a primeira semana, a decisão de ir para uma pizzaria só foi tomada depois da experiência na construção. “Eu nunca tinha trabalhado em construção e estava me matando num trabalho duro demais. Eu tinha que mudar, deixar aquilo, mas, assim como acontece com todo imigrante, sobretudo o ilegal, quando a gente chega é tudo muito difícil. Depois de um tempo as coisas se acertam, ou é a gente que acaba se acostumando… eu ainda não sei, talvez seja um pouco dos dois”.

Driver

Foram longos nove meses até Olívio deixar definitivamente o trabalho na construção. Uma escolha que só veio depois que ele perdeu 15 quilos e por pouco não ficou cego. “Eu trabalhava na pintura e tive a infelicidade de deixar ácido cair nos meus olhos. Eu tinha que limpar umas janelas com um produto extremamente corrosivo e, claro, ninguém me orientou sobre os cuidados e o perigo. Eu estava sem óculos quando o ácido espirrou. Não enxergava nada, não pensava em nada. Só rolava no chão e gritava de dor”.

Desde então, e há 18 anos, Olívio trabalha na mesma pizzaria como entregador. “Antigamente não tinha essa história de GPS. Era tudo no mapa mesmo. E, olha, como eu me perdi nesse lugar! Dei muito prejuízo para o patrão. Ele tinha que dar a pizza para os clientes porque eu demorava demais e elas chegavam frias”, recorda aos risos.

Não bastasse o imbróglio geográfico, Olívio ainda esbarrava no idioma. Quase duas décadas depois, ele ainda fala um inglês modesto, mas suficiente para sobreviver. “Era uma dificuldade atrás da outra. Eu não conseguia falar nem o nome das ruas, porque eu pronunciava do jeito que eu lia, em português, e as pessoas não entendiam nada. Fui sofrendo e aprendendo. Agora, consigo me virar bem, graças a Deus… e ao tempo”.

Família

A esposa de Olívio nunca quis morar nos Estados Unidos, ao contrário da filha do casal, Juliana, que desde 2002 vive no país e é casada com um brasileiro. “A primeira vez que minha mulher veio foi no fim de 1998. A partir de então, ela ficava três meses e ia embora. Era desse jeito. A gente matava um pouco a saudade e ela voltava pro Brasil. Certa vez, eu perdi a paciência e falei que ia voltar pra casa, que já não aguentava mais ficar aqui na solidão, mas ela disse: ‘Tanta gente morrendo para ir, lutando para entrar, e você querendo voltar’. E foi assim que decidi ficar. E lá se vão 19 anos nessa terra”.

Em 2011, quando Juliana decidiu casar, a esposa de Olívio resolveu ficar mais tempo do que a imigração permitia. Os seis meses determinados no passaporte acabaram virando dois anos de estadia. “Quando ela voltou para o Brasil e tentou renovar o visto aconteceu o pior: ela foi barrada pelo consulado americano. Disseram que, como ela excedeu o tempo permitido, ficaria dez anos sem colocar os pés aqui”.

Já se passaram três anos desde que a esposa do entregador foi proíbida de voltar. Não bastasse a saudade do marido e da filha, ela tem agora mais um motivo para ver a angústica crescer. “A nossa primeira netinha, a Olívia, acabou de nascer. Imagina só… não dá pra ser feliz por completo desse jeito. Minha mulher sofre de lá, e a gente do lado de cá. Tudo que ela quer é conhecer a neta. A gente procura alguma forma de trazê-la… mas como?”.

Trump

O desejo de Olívio, assim como de grande parte dos imigrantes, é deixar os Estados Unidos para trás. E quando Donald Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos, no início do ano, a saudade ganhou um reforço extra.

“Com esse homem a insegurança aumentou. Ninguém tem ideia do que ele vai fazer. Com o Barack Obama a gente era mais livre. Agora é como se fôssemos bandidos, é muito humilhante. Eu só queria que a situação estivesse um pouco melhor no Brasil. Já tenho 65 anos. Se eu trabalhasse no Brasil, fazendo o que eu faço aqui, não ganharia nem metade. Na verdade, com a minha idade, seria impossível ter trabalho”.

Enquanto a indecisão e a saudade batem à porta, Olívio tira as folgas – somente aos domingos – para ver a neta e assistir o Palmeiras jogar. “Eu queria muito que minha esposa estivesse aqui. Encontrar meus amigos, jogar conversa fora. Eu deixei o Brasil para melhorar financeiramente, e isso os Estados Unidos me permitiu. Não se pode negar que seja um país de oportunidades, mas não há preço que pague ter quem você ama por perto. Por mais que seja um país que nos dê dignidade, a gente não consegue se sentir em casa. E é por isso que quero voltar”.