Licença para matar

Presidente Bolsonaro acena com possibilidade de não punir quem usar arma de fogo para matar em propriedades rurais


Por Leticia Villas

Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro vem seguindo à risca o que prometeu durante a campanha e facilita o armamento de grande parte da população. No dia 7 deste mês assinou decreto que libera o porte de arma para caminhoneiros, agentes de trânsito, oficiais de Justiça e até jornalistas, além de atiradores esportivos, caçadores e colecionadores. “Fomos no limite da lei. O que a lei abria oportunidade para nós fomos no limite”, disse o presidente.

Durante a cerimônia de assinatura do decreto, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou que a Câmara dos Deputados pode colocar em votação rapidamente, em regime de urgência, no plenário, o projeto de lei que pretende permitir que moradores do campo e trabalhadores rurais possam portar armas dentro de toda a propriedade – hoje só é permitida a posse, no interior da residência. A votação já estaria acertada entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente. O projeto que será utilizado é o do deputado Afonso Hamm (PP-RS), apresentado em 2016 para dispor sobre o porte de arma no campo, com regras sobre quem teria direito.

No dia 29 de abril, o presidente Jair Bolsonaro acenou uma outra proposta para evitar que responda por processos criminais quem utilizar as armas dentro de sua propriedade no campo, mas sem dar detalhes. Hoje não há proposta que defina isto tramitando no Congresso.

“Tem um outro (projeto) que vai dar o que falar, mas que é uma maneira de ajudar a combater a violência no campo. Ao defender sua propriedade privada ou sua vida, o cidadão de bem poderá entrar no excludente de licitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que temos que proceder para que o outro lado que desrespeita a lei tema o cidadão de bem”, disse o presidente numa das maiores feiras do agronegócio do mundo, a Agrishow, em Ribeirão Preto.

Com os produtores rurais reunidos no evento, e com pouca coisa a apresentar a eles em termos de realizações, Bolsonaro bradou “a propriedade privada é sagrada e ponto final”. E com sua nova ideia, pode ampliar a licença para matar camponeses sem terra, como confirma sua fala: “É a forma que nós temos que proceder para que o outro lado [camponeses sem terra], que teima em desrespeitar a lei, temam vocês, temam o cidadão de bem e não o contrário”, incentivou o presidente.

João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), respondeu. “O Bolsonaro não sabe o que fala. Sua fala é a defesa explicita do assassinato no campo. Diante disso, ele deveria sofrer um processo de impedimento no Congresso Nacional porque é apologia à violência no campo”, afirmou em nota.

Rodrigues vai mais longe. Na nota, diz que “na prática, hoje em dia, os que contratam pistoleiros, ou seja, os mandantes, já não são condenados pelas mortes no campo. Essa proposta é de uma estupidez sem tamanho. É uma autorização para qualquer proprietário matar qualquer um acusado de invadir ou entrar em sua prioridade”.

O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo, Guilherme Boulos, também teme o projeto. “Bolsonaro quer transformar o campo num bang bang. O Brasil já tem batido recordes de violência rural. Luta pela terra não se resolve na bala. Tentar fazer isso só vai agravar o problema. Enquanto 1% dos proprietários concentrarem quase metade das terras, a luta pela Reforma agrária não vai acabar”.

O projeto

Na proposta do deputado Hamm, proprietários e trabalhadores rurais com mais de 25 anos que “dependam do emprego de arma de fogo para defesa pessoal, familiar ou de terceiros” ou do patrimônio terão direito ao porte. Também define qual seriam o documento necessário – somente atestado de antecedentes criminais.

O PT e outros partidos de esquerda têm se oposto ao projeto de Hamm com o argumento de que permitirá a criação de milícias rurais, mas não conseguiram barrar a votação até agora – o projeto já passou por duas comissões, a da Agricultura e da Segurança Pública.

Agora está na de Constituição e Justiça (CCJ), onde o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) conseguiu ser nomeado relator e, com isso, travou a proposta, que ficou dois anos sem parecer. O parlamentar participou do debate nas outras comissões e criticou o projeto, dizendo que ele revoga o Estatuto do Desarmamento no campo.