Putafeminista, Putativista

Em entrevista, Monique Prada fala um pouco sobre as preocupações das trabalhadoras sexuais em 2018


Por Petra Fantini

Foto : Arquivo Pessoal

Trabalhadora sexual, feminista, ativista pelos direitos das prostitutas, autora do livro Putafeminista, co-editora do projeto MundoInvisivel.ORG, uma das fundadoras da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS), Monique Prada ainda faz parte do Grupo Assessor da Sociedade Civil de ONU Mulheres no Brasil.  Monique acaba de lançar o livro Putafeminista pela editora Veneta (http://veneta.com.br/produto/putafeminista/)

Abaixo, ela conversa com O Beltrano sobre as expectativas das trabalhadoras sexuais e como querer tirar as mulheres desta ocupação muitas vezes é uma visão de quem vê de fora.

Como você começou a se envolver com a militância das trabalhadoras sexuais?

A maior parte do tempo em que me envolvi em trabalho sexual, eu mantive blog, exceto quando não existia internet (e então, eu trabalhava através de anúncios de jornal). Conheci o ativismo de Gabriela Leite em 1996, quando houve um encontro de prostitutas em Porto Alegre, me animei toda pra ir mas acabei desistindo.

A vida seguiu, e lá por 2009 eu comecei a ter acesso maior a textos de feministas, ao mesmo tempo em que vivia uma crise pessoal sobre meu trabalho. Queria entender como nos encaixávamos nessa sociedade. A partir de perceber que boa parte do feminismo que eu lia, apesar de me seduzir, não me contemplava plenamente, comecei a pensar na importância de me engajar no ativismo por direitos das mulheres e trabalhadoras sexuais, e em seguida fui conhecendo as diversas organizações e suas políticas.

“Trabalhadora sexual” é o termo mais apropriado para se referir a essas mulheres? Há outras palavras que também podem ser utilizadas de forma que não as ofenda?

Eu considero este o termo adequado, por dialogar melhor com as organizações de fora do país, e ressaltar a condição laboral da atividade, frequentemente ignorada.

Foto : Arquivo Pessoal

A prostituição é uma escolha voluntária da mulher ou a última alternativa para pessoas socialmente marginalizadas? Ou ambos os elementos estão presentes no meio?

Numa sociedade capitalista, escolher trabalhar ou não trabalhar, escolher com o que trabalhar, é um privilégio. Aqui de onde viemos, mulheres pobres, algumas trabalham em supermercados, outras limpam casas, varrem ruas, cuidam de doentes. Algumas de nós exercemos o trabalho sexual, que ainda segue o trabalho que melhor remunera dentre os trabalhos precários.

Desculpa, eu não debato a questão do trabalho sexual a partir dessa perspectiva da escolha. Se eu trabalhasse numa lanchonete, a minha escolha ou não escolha não seria uma questão. Ela só se torna questão a partir do momento em que decido trabalhar na prostituição, o que evidencia o caráter moral desse questionamento.

Quais as principais reivindicações do grupo hoje? A regulamentação do trabalho sexual, por exemplo?

Prefiro falar em legalização do que em regulamentação como reivindicação, já que a atividade é parcialmente ilegal no país, o que nos obriga à clandestinidade.

Nos últimos anos o país tem vivido uma ascensão do conservadorismo, o que pode ser observado nos números expressivos de intenção de voto para o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro. Como este cenário tem afetado a vida das trabalhadoras sexuais?

Este cenário tem afetado a vida de todas as mulheres, com ameaças frequentes, e muitas concretizadas, de retirada de direitos. Para as trabalhadoras sexuais, a ameaça de retirada da atividade da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), proposta parlamentar do deputado federal Flavinho (PSB) (https://bit.ly/2Q0tmh8), veio em seguida do golpe e, se contemplada, terá peso grande para as trabalhadoras, que já sofrem ataques por atuar nas ruas, mesmo a atividade constando da CBO.

O que você acha da chamada Lei Gabriela Leite (https://bit.ly/2xZYBDK)? Se não for a favor, de que maneira esse PL poderia ser reescrito?

A Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) e a Articulação Nacional de Profissionais do Sexo (ANPS) devem se reunir nos próximos meses e começar a debater um novo modelo de regulamentação. Este modelo (Lei Gabriela Leite) não prevê vínculo empregatício dos estabelecimentos com as trabalhadoras, o que é bom para muitas mulheres — devido às livrarias de trabalhar cada noite em um espaço — mas ruim para uma maioria, que exerce a atividade por muitos anos num mesmo espaço e, com este modelo, continua sem férias, 13° salário e garantias trabalhistas reais. Este projeto é bom, porque legaliza as casas e nos tira da clandestinidade, no entanto, peca neste sentido.

Foto : Arquivo Pessoal

Vi neste texto (https://bit.ly/2vVBh5A) que você considera a extinção da prostituição como uma utopia, e que a maneira policialesca que o estado expulsa trabalhadoras de casas de prostituição apenas “empurrará mais e mais mulheres para a clandestinidade e condições cada vez mais precárias de vida e trabalho”. Na sua visão, quais políticas públicas o estado poderia aplicar para melhorar a vida dessas mulheres?

Como diz minha amiga e companheira Cleone Santos, as políticas públicas para melhorar a vida das mulheres — de todas as mulheres, pois não somos diferentes das mulheres todas, e não precisamos de políticas públicas específicas — já estão aí, o que falta é que sejam postas em prática.

Você precisa definir o que seria “melhorar a vida dessas mulheres”. O Estado historicamente pensa políticas públicas para as trabalhadoras sexuais em dois sentidos. No sentido de nos ensinar a cuidar da saúde de nossos genitais, e apenas de nossos genitais, para que nossos contratantes não levem doenças para suas famílias. E no sentido de reprimir a prostituição, o que nos impede de levar comidas para as nossas famílias.

Com “melhorar a vida dessas mulheres” quis dizer principalmente medidas que garantam a segurança e dignidade às trabalhadoras sexuais no exercício da ocupação. Mesmo que a legalização ainda não tenha sido alcançada, prefeituras poderiam investir em postos de saúde próximos a locais conhecidos pelo trabalho sexual, suporte psicológico ou cursos de capacitação para essas mulheres, por exemplo. Essas são algumas medidas que eu pensei, há articulações no âmbito da CUTS ou da ANPS com outras propostas?

Quando você fala de cursos de capacitação, se refere a quê? Capacitação para o trabalho sexual, ou a ideia implícita é tirar as mulheres da zona?

Creio que a ideia implícita seria tirar da zona sim… Mas é uma ideia preconceituosa, não é?

Sim

Foto : Arquivo Pessoal

Qual a importância dessas eleições para a pauta da prostituição? Os movimentos de trabalhadoras sexuais estão pressionando os candidatos, se envolvendo com as campanhas?

Se os movimentos de trabalhadoras e trabalhadores sexuais forem pensar essa questão na hora de votar, acabaríamos por não votar em ninguém. Embora um ou outro candidato volta e meia se posicione muito timidamente na defesa dos direitos das pessoas que trabalham com sexo, eu não diria que a pauta esteja sequer perto de se tornar prioridade para algum deles, haja visto por exemplo a pressa com que Boulos apagou a postagem que fazia referência ao Dia Internacional das Prostitutas em sua página, depois de uma avalanche de ataques de pessoas que se dizem feministas e de esquerda (e no entanto, lutam contra a organização de uma categoria de pessoas trabalhadoras).

Nós somos as primeiras a sermos rifadas. Durante essa eleição, algumas de nós estão concorrendo, é o caso de Cida Vieira, candidata pelo PC do B em Belo Horizonte, ou Célia Gomes, candidata pelo PROS em Teresina. No entanto, uma das candidaturas mais expressivas, a de Indianara Siqueira, foi impugnada por questões e dívidas pessoais dela com o espaço onde está sediada a Casa Nem, espaço de acolhimento de pessoas trans e travestis em situação de vulnerabilidade. Não há nos partidos um espírito de defesa honesta dos direitos da categoria, e esse é um dos motivos que me levou a não me candidatar nesta eleição, apesar dos convites.