Prostitutas da Pampulha sob ataque

Reunião para colher relatos de violências sofridas pelas trabalhadoras sexuais do bairro Santa Branca é interrompida por moradores


Por Petra Fantini

Publicado em 12/04/2018

Reprodução/Facebook da Transvest.

Uma reunião realizada na noite de terça-feira (10/04), para discutir e colher relatos das agressões praticadas por policiais do Bope (o Batalhão de Operações Especiais, da PM) contra trabalhadoras sexuais do bairro Santa Branca, foi interrompida por moradores da região. O encontro, realizado na Paróquia Santa Mônica, contava com a presença do promotor de justiça Mario Konichi Higuchi Júnior e de representantes da Pastoral Social Santa Branca e da ONG Transvest.

Segundo relatos, o encontro foi encerrado abruptamente pela invasão do salão da igreja por um grupo de moradores do bairro. Eles fizeram provocações contra as prostitutas, acusando-as de ladras, e não deixaram o promotor falar. Os participantes foram expulsos e se reuniram na rua. O encontro tinha o objetivo de apresentar as denúncias de agressões de agentes do Bope, que tem batalhão no Santa Branca, contra as trabalhadoras sexuais para a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos do Ministério Público e a Transvest (leia a primeira matéria publicada por O Beltrano sobre o assunto aqui https://goo.gl/cYcbZJ).

Bruno Cardoso, coordenador da Pastoral, diz que que aproximadamente 20 pessoas da comunidade fizeram um ato do lado de fora da Paróquia e algumas delas invadiram o salão, interrompendo a reunião e expulsando os participantes. Além disso, duas viaturas da PM de patrulha urbana e uma viatura do Bope fecharam a rua em frente ao salão da igreja. Duda Salabert, presidenta da ONG Transvest, classificou como “uma violência simbólica” a presença da viatura do Bope no local em que se discutia justamente o comportamento violento de membros da corporação.

A hostilidade entre moradores e prostitutas do bairro Santa Branca, que não é nova, se acirrou nos últimos dias. Após a primeira reportagem de O Beltrano sobre o caso, moradores tem denunciado o comportamento das trabalhadoras sexuais e muitos comentários na publicação do texto incentivam a violência contra elas. “Parece que a intenção deles é expulsar, mesmo que seja à força, a prostituição do local”, diz Bruno.

Em nota, a Pastoral repudiou a ação de membros da Associação de Moradores do Bairro Santa Branca e do Conselho da Comunidade, “que atrapalharam e impediram que a reunião com o Promotor de Justiça Dr. Mario Konichi acontecesse ontem (terça) no salão da Igreja”. O texto questiona ainda a quem interessa a não investigação das denúncias de violência do Bope e ressalta a necessidade da intervenção do Ministério Público.

A Pastoral pretendia também discutir com as trabalhadoras sexuais as reclamações contra nudez e mau comportamento de algumas trabalhadoras nas ruas do bairro. “A gente quer chegar a um meio termo entre uma proposta delas e dos moradores. A gente ainda quer construir isso”, diz Bruno.

Duda Salabert destacou a postura moralista dos moradores que interromperam a reunião. “É um processo de criminalização dos corpos travestis e da prostituição”, diz Duda. “O que está acontecendo é a continuação de um projeto de higienismo social, de asfixia social, que considera os corpos travestis como sujeira”, completa.

Alda Maria Salvador, da Associação de Moradores o Bairro Santa Branca, diz que apareceu na reunião por acaso, , quando resolvia outros assuntos pelo bairro. Para ela, não houve reunião. Moradores entraram em contato com Alda na tarde de ontem e disseram que “estão muito unidos, revoltados e tristes com a situação. Eles não querem prejudicar ninguém, mas também não querem ser prejudicados”, conta.

Ela diz que já fez trabalho voluntário com as prostitutas do Santa Branca, mas que “de 2014 para cá a coisa foi tomando um outro rumo”. Além de nudez, práticas sexuais em locais públicos e uso de drogas, Alda diz que o tráfico, a violência e os assaltos estão aumentando. “Os moradores ficam impedidos de entrar e sair de casa, é uma situação muito caótica”, afirma.

Encaminhamento

Apesar dos problemas, diferentes compromissos foram firmados na noite de terça-feira. O promotor de justiça Mario Konichi Higuchi Júnior, segundo conta Bruno, se comprometeu em agendar uma reunião com o comandante do Batalhão. Alda também combinou com Juhlia, da Transvest, e Mario Konichi realizar um novo encontro.

Já Duda diz que a Transvest vai coletar o relato das travestis, fazer um ofício para o Ministério Público e pedir a investigação do Bope. “Vamos ficar em cima do Bope para descobrir quem está cometendo essas barbaridades”, afirma.