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4ª Mostra de Cinema Feminista traz discussões políticas diversas sob o olhar da mulher. Mostra vai até dia 16 no Sesc Palladium


Obra Cartas sobre o nosso lugar | Imagem: Divulgação

Nos próximos dias, mulheres cineastas – e um homem trans – terão espaço reservado na programação cultural da cidade durante a 4ª Mostra de Cinema Feminista de Belo Horizonte (https://goo.gl/xjFuxY). O evento, que teve início não por coincidência em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é organizada pela Coletiva Malva e vai até o dia 16 no Sesc Palladium.

A Mostra tem como missão, segundo a Coletiva, “dar visibilidade às produções cinematográficas realizadas por mulheres e promover debates sobre as lutas dos movimentos feministas”. Neste ano, a novidade se dá com presença de 16 filmes internacionais entre as obras, vindos de países como Rússia, Portugal, Cuba, Argentina, Espanha, Equador, Chile, Colômbia, Irã, Alemanha e Dinamarca.

Veja abaixo o que Letícia Souza, fotógrafa, curadora e coordenadora da Coletiva tem a dizer sobre o cinema feito por mulheres.

Limitação por tema

A temática central continua sendo a luta das mulheres pelos seus direitos de uma forma geral. Quando a gente abre a inscrição, a gente tem a prerrogativa de que sejam inscritos filmes de mulheres, com qualquer temática que seja. A gente considera que, por ser feito por uma mulher, já é um ato feminista – considerando que o cinema ainda é um local governado por homens, brancos, de classe média.

Crescimento

Quando a gente começou, no primeiro ano, a gente teve inscrições de filmes que eram bem mais locais. A gente recebeu cerca de seis horas de filme, não passavam de 20 filmes. No segundo ano a gente já recebeu em torno de 50 e poucos, 60. No terceiro ano foram 120 e neste ano, quase 400. Foi um crescimento muito grande de filmes nacionais, muitas diretoras brasileiras; alguns alcances que a gente não tinha, de algumas diretoras que a gente até sabia, tinha conhecimento dos filmes, mas eles não chegavam para a gente e chegaram. E uma adesão muito maior internacional também, com filmes com temáticas bem importantes.

Obra Com os pés no chão | Imagem: Divulgação

Projetos

No ano passado, duas diretoras que inscreveram seus filmes e depois nos procuraram para levar a Mostra de Cinema Feminista para Florianópolis (foram as cineastas Marcia Paraiso, de “Lua em Sagitário”, e Flávia Person, de “Antonieta”. A programação da época pode ser acessada aqui https://goo.gl/VK7pcZ).

Já o Lírios Não Nascem da Lei, da Fabiana Leite, que é uma diretora que é parceira nossa, estava pré-convidado, antes das inscrições. Nós achamos importante passar um filme do qual a gente participou do processo, e que é um filme super importante sobre a questão do encarceramento feminino.

Cenário

Por um lado, tem crescido muito as produções das mulheres. Elas têm produzido filmes diversos, ricos em temáticas e esteticamente muito bonitos, muito bem feitos. E por outro lado ainda tem uma invisibilidade das mulheres no cinema.

A gente tem batido muito numa tecla que é sobre as pesquisas que têm sido lançadas sobre a diversidade de gênero e raça. A última, de janeiro de 2018, é uma pesquisa feita pela Ancine que pega os longa-metragens que foram lançados em salas comerciais de exibição no ano de 2016 (https://goo.gl/eErfCy). E aí a gente tem um quadro que é ainda bem desigual, porque como a Ancine deu dados de gênero e raça… Por exemplo, na função de direção, as mulheres negras estão em maior desvantagem. Elas não aparecem.

As mulheres brancas já aparecem, mas é um número que também não é tão bom, né, 19,7%. A grande maioria dos filmes ainda são feitos por homens brancos, somando 75,4% de toda produção dos longa-metragens. Agora, a gente trabalha na nossa Mostra com curtas também. Exibindo 69 filmes, a gente percebeu que 24 diretoras se auto-identificaram negras, 25 brancas, tem uma indígena, 15 diretoras que não deram a identificação étnico-racial delas e tem dois filmes que é de direção de um homem trans, que é a única exceção que a gente tem.

Ontem (8 de março) a gente teve uma sessão em que a gente discutiu um pouco essa questão, da presença da mulher negra no cinema brasileiro. A gente abriu primeiro com “Fantasia de índio”, nós achamos que fosse um filme importante de se passar na abertura porque essa diretora estava buscando a ancestralidade indígena dela; depois “Rainha” da Sabrina Fidalgo, que é uma diretora negra; e o “Tentei”, da Lais Melo, que trata mais da questão da violência. A segunda sessão já foi específica da questão da mulher negra, do feminismo negro, então a gente trouxe três diretoras negras: “Casca de Baobá” da Mariana Luiza, “Maria” da Elen Linth e “Em busca de Lélia” da Beatriz Vieirah.

Estavam presentes conosco a Mariana Luiza e a Beatriz Vieirah. Nós trouxemos mais duas convidadas para compor a mesa, para dizer delas enquanto mulheres negras, enquanto sujeitas, como elas viam as produções, as representações das mulheres negras. Comumente, no cinema mais comercial, isso é feito dentro de um estereótipo bastante negativo.

Ao longo da mostra a gente vai continuar discutindo outras temáticas, provavelmente essa temática se insere em outros momentos, porque temos filmes que falam sobre encarceramento – e a maioria das mulheres que estão encarceradas são negras. Então os temas vão indo e voltando.

Obra Las mujeres deciden | Imagem: Divulgação

O olhar da mulher

Eu percebo que normalmente um filme, quando é feito por uma mulher, tem muito mais mulheres na equipe, por exemplo. As mulheres também têm um olhar muito mais cuidadoso para não ficar trazendo estereótipos, sejam eles raciais, de gênero, violências, LGBTs. Eu percebo que as mulheres têm muito mais esse cuidado ético de não ferir direitos, identidades.

E eu acho inclusive que as mulheres, até por isso, têm trazido temas bastante diversos. Quando tem um homem na direção, a produção costuma ser só de homens e tem uma ou duas mulheres, quando tem. Os filmes trazem homens sempre à frente, são sempre eles que falam, eles que são mais importantes, ainda carregado muito de estereótipos, de violência. Às vezes a gente pega filmes que são muito interessantes e tem o deslize de uma violência que é de uma sociedade ainda muito marcada por um machismo, por uma cultura da violência contra a mulher, do feminicídio, do estupro.

Mas, eu observo também que tem alguns diretores que já conseguem dialogar muito melhor, conseguem extrapolar essas questões e estão trazendo filmes bastante interessantes também. Então eu acho que a diferença para mim é essa, a produção feita por mulher consegue ser mais diversa, ela vai trazer mais mulheres. Ela traz homens também, mas tem o cuidado de chamar mais mulheres para estar ali juntas, trata mais de temáticas femininas, traz a mulher como protagonista, com fala, personagens complexas. Não mulheres que estão ali para compor cena para homens, mas com identidades complexas.

Então, eu acho que tem esse cuidado. Não necessariamente uma temática que seja feminina, que seja feminista, mas que tenha o cuidado de trazer a mulher enquanto sujeito dos seus filmes.

Momento de encontro

Ontem mesmo a gente teve encontros incríveis, com as diretoras e as outras convidadas. O “Casca de baobá” era um filme que tratava sobre uma menina quilombola que vai para a universidade, então é um diálogo dela com a mãe que se mantém no quilombo. O segundo filme é “Maria”, que traz a questão da identidade trans, e depois “Em busca de Lélia” traz a Lélia Gonzalez na sua atuação no feminismo negro.

E aí, a gente trouxe outras convidadas: uma delas é quilombola, outra é militante ativista dos direitos LGBT, principalmente na questão trans. Então esse diálogo com os lados de quem produz e de quem assiste foi muito rico. Acredito também que a plateia foi muito participativa, trouxeram as suas histórias, a felicidade de também se ver aquela narrativa. Com certeza é um lugar de encontro muito rico, muito interessante, e eu espero que continue sendo ao longo dos dias.