BH assassina

Relatório da Câmara Municipal revela números do genocídio da juventude negra belo-horizontina, a capital que mais mata jovens negros no sudeste


Por Petra Fantini

Publicado em 23/05/2018

Foto: Ernandes/CMBH

A cada quatro jovens mortos em Belo Horizonte, três são negros. Esses e outros números alarmantes foram apresentados nesta semana pela Comissão Especial de Estudo sobre o Homicídio de Jovens Negros e Pobres da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Reivindicada desde a gestão passada, o início da Comissão ganhou fôlego com a eleição de Áurea Carolina (Psol) em 2016, vereadora engajada com a luta anti-racista no município.

Com o intuito de auxiliar na coleta de informações e na produção de conhecimento sobre o tema do assassinato da juventude negra belo-horizontina, a Comissão de Estudo é fruto da audiência pública sobre o Genocídio da Juventude Negra, realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor em abril de 2015. Já no contexto nacional a temática ganhou notoriedade com a publicação do Mapa da Violência 2015, que apontava que 70% dos 30 mil jovens mortos anualmente no Brasil eram negros, gerando discussões em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Foto: Rafael Mendonça

Áurea foi relatora durante a elaboração do documento, enquanto Arnaldo Godoy (PT) era o presidente da Comissão – em março deste ano, os cargos se inverteram. Também participam da grupo os vereadores Jorge Santos (PRB), Juninho Los Hermanos (Avante) e Hélio da Farmácia (PHS). Os dados serão apresentados e discutidos nesta sexta-feira (25/05) durante o seminário Juventude Negra Presente, realizado de 8h30 às 18h no plenário Amynthas de Barros na CMBH.

Ao longo de 2017, o grupo realizou visitas técnicas, audiências públicas e seminários participativos, além de coleta e análise de dados a partir do censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), elaborado por equipe técnica da Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp-UFMG).

Nos encontros foram abordadas questões como racismo estrutural, violência policial, desigualdade de gênero, sistemas prisional e socioeducativo, política de drogas, políticas sociais, direito à cidade, cultura e educação inclusiva. Por causa da falta de estrutura da Câmara, foi solicitado que o professor Rodrigo Ednilson de Jesus, da Faculdade de Educação da UFMG, elaborasse um estudo analítico a fim de descrever e aprofundar a situação vivenciada pelos jovens negros na cidade de Belo Horizonte.

Resultados

Em coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira, Rodrigo destaca que um dos maiores legados da desigualdade racial na cidade é a segregação territorial. Quando se analisa por região, é possível observar que o asfalto tem mais pessoas autodeclaradas brancas, enquanto os morros possuem mais autodeclarados negros. “A questão racial é determinante para a pobreza”, define.

Os locais com mais pessoas negras são socialmente mais vulneráveis, possuem menos serviços e equipamentos públicos e o número de jovens vítimas de disparo de arma de fogo também aumenta nessas regiões. Uma das maiores discrepâncias ocorre entre os territórios CS4 e CS5, como visto abaixo. Apesar de serem vizinhos, os índices de vulnerabilidade do território mais pobre, o CS5, é sete vezes maior.

 

Já o gráfico seguinte demonstra como a proporção entre brancos e negros altera o índice de vulnerabilidade de cada território. A relação dos bairros relativos às siglas abaixo pode ser acessada na tabela 2 do documento (https://goo.gl/VUQPPX).

 

Os indicadores do IVJ são: percentual de população jovem de 15 a 29 anos, percentual de crianças de 10 a 14 anos que trabalharam, renda domiciliar média, taxa de abandono escolar no Ensino Médio, taxa de distorção idade/série, taxa média de homicídio da população masculina com idade entre 15 e 29 anos e fecundidade na faixa etária de 15 a 19 anos. Um obstáculo para o estudo, aliás, foi o fato do IVJ não fazer a distinção de raça/cor e sexo dos indicadores analisados. Foi por solicitação da Comissão que esse levantamento foi disponibilizado separadamente (https://monitorabh.pbh.gov.br/ivjbh).

O professor adverte, porém, que há uma falsa noção de que o genocídio é necessariamente intencional. Os dados coletados não explicitam quais homicídios foram realizados por policiais, por exemplo, mas a partir do momento em que a juventude é fatalizada por armas de fogo a omissão também é responsabilidade do Estado, explica Rodrigo.

Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Sistema Único de Saúde (SUS) que apontam que, em 2010, a taxa de mortalidade de jovens brancos era de 37,5 para cada 100 mil habitantes, ao passo que a taxa de jovens negros sobre para 113,3. Assim, um jovem negro belo-horizontino tinha três vezes mais chances de ser morto por causas externas do que um jovem branco. Belo Horizonte ocupa a 11ª posição entre as capitais com as maiores taxas, chegando a primeiro lugar no sudeste.

Enfrentamento

Para que esses números sejam minimizados, a Comissão afirma que o governo precisa construir, com a participação da sociedade civil, um Plano Municipal de Enfrentamento aos Homicídios de Jovens Negros e Pobres que conte com ações articuladas e intersetoriais.

Áurea indica que é necessário endereçar aos territórios mais críticos “o investimento prioritário de recursos com políticas especializadas de prevenção à violência. Não basta só promover políticas genéricas universalistas de saúde, educação, assistência social. O que a gente está percebendo é que precisa ter uma metodologia própria para trabalhar com jovens negros, com as suas famílias, suas comunidades, nessas diversas áreas”.

A vereadora entende que a gestão atual se esforça nessa temática através da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção (SMSP), que instituiu em dezembro um grupo de trabalho para discutir a defesa da vida de adolescentes e jovens. “Mas tudo isso ainda é muito incipiente, e daqui da Câmara a gente percebe que não há recursos suficientes para que esse trabalho seja bem desenvolvido”, analisa.