Você está comprando subproduto por gasolina

Na surdina, combustível 'formulado' substitui o refinado nos postos, pelo mesmo preço


Por Homero Gottardello

(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Foi-se o tempo em que a indústria automotiva só golpeava o brasileiro vendendo o restolho dos mercados europeu, japonês e norte-americano a preço de ouro. Carros cada vez piores e mais caros são, apenas e tão somente, a primeira de uma série de punhaladas que o incauto leva desde o momento em que adquire um veículo. Na hora do registro vêm os golpes tributários. Logo em seguida, os dos seguros. Para estacionar nas grandes cidades, é necessário suportar as estocadas dos flanelinhas e, a partir de agora, o César tupiniquim também terá que resistir a uma nova investida: a gasolina “formulada”. Nem todo mundo se deu conta, mas os postos já substituíram o combustível original, refinado, por uma versão genérica, pior em todos os sentidos. Não bastasse isso acontecer na surdina, sem alarde e com a chancela da Agência Nacional do Petróleo (ANP), os preços seguem em escalada absurda.

Como ambas são vendidas como gasolina comum, você está pagando cada vez mais caro por um combustível inferior que, além de ter menor rendimento, vai danificar as partes internas do motor do seu carro em médio e longo prazos. Obviamente, os jornalões, as revistas e o noticiário da TV só vão tocar neste assunto para tapeá-lo, para ‘tranquilizá-lo’, para garantir que, apesar de ser diferente da gasolina refinada, a ‘formulada’ é uma excelente opção e não há com o que se preocupar. “É uma questão de mercado: as empresas formuladoras criaram este nicho, para ofertar um produto com preço mais competitivo”, explica a pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Adriana Garcia.

Bom, não é preciso ter mais do que dois neurônios para perceber que o consumidor não está se beneficiando desta competitividade. Pelo contrário, o brasileiro – coitado – está comprando restolho por gasolina sem qualquer vantagem de preço.

O rol de combustíveis ‘formulados’ também inclui o etanol e o gasóleo (o óleo diesel), mas, por enquanto, é a gasolina – o mais caro deles – que recebe a ‘atenção’ deste novo nicho de mercado. Explicando de uma forma simples e objetiva, a gasolina ‘formulada’ é produzida a partir de uma mistura dos resíduos do processo de refino com hidrocarbonetos (vulgo solventes). Ao contrário do combustível original, ela não é feita em refinarias, mas por empresas que compram o refugo e o processam sabe-se lá em quais condições.

O custo de produção é um segredo bem guardado, mas o desconto mínimo, na bomba dos postos, teria que ser de 10% – uma diferença de R$ 0,20 por litro. É o que a própria ANP sugere. O problema é que os postos estão vendendo gato por lebre para o consumidor, enriquecendo ilicitamente às custas da inépcia dos brasileiros. A maior margem de lucro dos distribuidores é, portanto, garantida pelo prejuízo do consumidor. Mas este rombo vai além do preço na bomba, porque o combustível ‘formulado’ afeta negativamente o funcionamento do veículo.

“Nos bicos injetores, ocorrem maiores depósitos e danos decorrentes do maior percentual de enxofre”, alerta o engenheiro mecânico Rubens Nogueira Venosa. “A vida útil do filtro de combustível também é reduzida para menos da metade e, nas velas de ignição, a corrosão avança mais rapidamente”, acrescenta.

Ou seja, quem usar este tipo de combustível terá gastos maiores e mais frequentes com a manutenção de seu automóvel. Isso, sem falar na perda de desempenho e no aumento do consumo que, na ponta do lápis, já são suficientes para transformar o que seria economia em perda.

“A adulteração também é mais frequente neste tipo de combustível, o que potencializa os problemas de entupimentos e depósitos”, acrescenta o diretor de combustíveis da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Rogério Gonçalves, lembrando que a gasolina original é mais densa e que, na prática, isso significa redução da autonomia. “Com certeza, uma gasolina mais ‘leve’ apresenta maior consumo”.

A pesquisadora Adriana Garcia lembra que, em tese, a gasolina ‘formulada’ tem que atender as mesmas exigências de qualidade da refinada, especificadas pela ANP, mas é importante citar que, no caso do combustível genérico, cada produtor tem sua fórmula, o que torna impossível uma padronização. “Da mesma forma, a gasolina tipo A, que vai para os distribuidores, é adicionada de álcool anidro em proporção de até 27%, virando gasolina tipo C”, lembra ela. Ou seja, não bastasse nossa gasolina original ser um produto de terceira classe, o tupiniquim ainda terá que pagar mais este pato.

Solvente já deu até morte

Cerca de 40% de toda a gasolina ‘formulada’ vendida no país é ofertada nas bombas de postos sem bandeira, aqueles que não representa exclusivamente um distribuidor, como BR, Shell ou Esso. Este subproduto foi regularizado ainda no governo de Dilma Rousseff e, entre as exigências legais para sua comercialização, estão a informação expressa para o consumidor de que se trata deste tipo de produto, bem como a exigência de ela ser ofertada com preços inferiores aos do combustível refinado. Obviamente, ninguém está respeitando a normatização e, em todos os postos, ambas são vendidas como gasolina comum.

Quem tem boa memória vai se recordar da investigação sobre a ‘Máfia dos Combustíveis’, em Minas Gerais, que custou a vida do promotor Francisco José Lins do Rêgo Santos e levou o empresário Luciano Farah Nascimento, o soldado da Polícia Militar Edson Souza Nogueira de Paula, e o office-boy Geraldo Roberto Parreiras para atrás das grades. Mas isso foi há 25 anos e, hoje, o trio condenado pela morte do promotor já pode abastecer seus próprios carros com um coquetel de solventes pior do que aquele que, no passado, foi pivô do atentado a autoridade pública. É, no mínimo, revoltante. Mas tenho certeza que você mesmo, que acaba de ler este texto, seguirá refém do mercado.