O sapo na fervura


Por João Gualberto Jr.

Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Michel Temer lembra o sapo na panela cheia d’água. A água esquenta gradualmente e o corpo do sapo, que se recusa a pular, trabalha internamente para equilibrar a temperatura de seu sangue à do ambiente. No limite do inchaço corporal, morrerá antes de exaustão do que de cozimento, uma sequência que seria inevitável na proximidade do ponto de fervura.

Por que o sapo insiste em ficar? Por instinto de conservação ou por temer o que o aguarda fora da panela. Desde que a coisa esquentou pra valer na última quarta-feira (17/05), o presidente preferiu exercer o ímpeto natural de resistência anfíbia e assimilou no organismo os graus acrescentados à conjuntura. Demonstração de força? Sim, é o primeiro impulso da espécie. Mas a que extremo poderá se estender a resiliência de um personagem que se fez na política em ambientes condicionados e conversas telefônicas e não no caldo das ruas? De um homem público cujo índice de popularidade perde de goleada para o de desempregados?

Os jornalões, em dissidência instigante e inédita com o novo governo, são uníssonos em publicar o caráter decisivo destes dias e a virada do jogo contra Temer. Duas perguntas imbricadas: vão aumentar o fogo até a fervura ou apagá-lo?; e quem dita a temperatura da água?

Começando pela segunda questão, a resposta é: os mesmos de sempre, os donos do fogão, do gás e da panela. Há que se estar atento aos sinais de suas preferências, que se mostram nas manchetes e nos indicadores do mercado financeiro.

Foi sintomático que o furo das gravações e delações de Joesley Batista tenha sido de O Globo. Se não quisesse, o jornal e a TV do grupo não o dariam, por mais que o material fosse uma bomba em potencial, como se demonstrou. Quis e quer dizer muito o fato de o mais poderoso conglomerado de mídia do Brasil elevar a temperatura em desfavor do governo. Talvez por já julgar que Temer e os dele tenham perdido condições de tocar as reformas antipopulares em gestação no Congresso, ou por concluir que a empreitada da destituição de Dilma tenha se verificado custosa demais para resultar em arremedos de lei muito distantes do ideal empresarial.

Não nos esqueçamos que Temer é um comissário governado pela aristocracia que o promoveu à Presidência. Se sua posição parecer inviável, descartam-no colocando outro no lugar. O primeiro pronunciamento dele, ainda na quinta-feira (18) à tarde, em que bradou “não renunciarei”, teve seu momento de tentativa de sensibilização (leia-se chantagem emocional) direcionado ao patronato: “todo o imenso esforço de se tirar o país de sua enorme recessão pode se tornar inútil. Nós não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do país”.

Não nos descuidemos ainda que o noticiário, como esforço de uma imprensa que se constitui ator político, é sintoma, parâmetro, termômetro, mas não é o fogo. Outro indicativo são os movimentos do mercado financeiro. No pico da crise, na quinta, a bolsa despencou e o dólar encareceu bastante frente ao real. No dia seguinte, em razão das ofertas tentadoras na Bovespa e da tendência de realização de resultados no câmbio, o movimento foi inverso, mas longe de compensar a véspera. Na segunda-feira (22), a bolsa caiu 1,93% e o dólar subiu 0,59%. Demonstração de instabilidade, sim, mas também de compasso de espera.

No dia 18, depois do fechamento do pregão, gerentes de grandes corretoras confessaram que, naquela ocasião, o mercado-entidade confiava (isto é, desejava) a renúncia, que acabou não vindo e frustrou expectativas. Era um indício de que Temer talvez não preste mais. Não se sabe se a leitura dos rentistas perdura, algo que se lê também dos ministros demissionários que acabaram ficando e dos partidos aliados que, primeiro, anunciaram que deixariam a base, mas não mantiveram a promessa. O que mudou? O que se deu na sexta-feira e no fim de semana?

Daí, voltemos à primeira pergunta: vão aumentar o fogo? Para os donos da bola, a sequência de cenários, do mais para o menos desejável, depende da viabilidade das reformas institucionais que, em boa medida, justificaram o golpe parlamentar de 2016. Se Temer e os dele se demonstrarem incapazes ou moralmente inviabilizados, os jornalões botarão lenha – a agenda de fontes “garganta-profundas” é uma floresta – e o mercado indicará o caminho do pandemônio.

Agora, o problema é quem colocar no lugar e como. Se esses nomes e processos se demonstrarem mais custosos do ponto de vista da irritabilidade do povão, é melhor deixar pra lá. E é esse o grande ponto de cisma dentro do cartel da mídia. Diferentemente da Globo, Estadão e Folha trabalham por manter o governo, provavelmente por suporem que a realização de eleições indiretas seria um escárnio cabeludo demais para a sociedade engolir calada. Diante desse risco de rebelião, de engrossada no caldo, a melhor alternativa seria a acomodação dos ânimos e a nomeação de Joesley como “o grande bandido da vez” e de seu interlocutor como “o ingênuo”.

Seria esse o acordo desenhado o que teria levado a defesa de Temer a retirar o pedido de suspensão do inquérito no Supremo? Claro que o discurso formal é o do “quem não deve não teme”. Mas a Corte, também mais ciosa a cada dia de seu papel político, pode colocar a querela em banho-maria. Na ação por cassação de mandato no TSE, um pedido de vista em junho não seria mal para quem demanda tempo.

Tudo o que não se quer, na Casa Grande, são eleições diretas para um mandato tampão. A popularidade e a inimputabilidade de momento da opção eleitoral mais mortalmente indesejável à aristocracia alimenta a cautela. Se com Temer está difícil, sem ele o cozimento pode desandar, e o sapo barbudo poderá voltar. No ranking da elite, a abertura para manifestação da soberania popular é a última das prioridades. Que bela democracia a nossa!

Política

João Gualberto Jr.
 

João Gualberto Jr. é jornalista, economista e cientista político.