O samba autobiográfico de Aline Calixto


Por Rafael Mendonça

Divulgação

Era início dos anos 2000 e uma cantora nova de samba, Aline Calixto, começava a aparecer. Na época, eu produzia shows de samba e ela me pediu para fazer uma ponte com o Nelson Sargento, para que ele participasse do que seria praticamente seu show de lançamento. Nelson topou, os shows com ele e outros bambas aconteceram, e Aline passou a trilhar seu caminho.

Passeou pelo mundo do samba, seguiu por aqui e por ali. Chegou a ser comparada a Clara Nunes por seu estilo de cantar. Mas tinha um ‘quê’ de nada forçado.

Gravou três álbuns nesse percurso, todos muito respeitados e aclamados. Foram remexendo com Aline, que nesse agosto de 2017 lança seu mais recente álbum, de nome “Serpente”. Com direção musical de Domenico Lancelotti e distribuição pelo selo LAB 344, conta com a participação de Cristina Braga (harpa), Pedro Sá (guitarra) e bateria eletrônica ao vivo comandada pelo próprio Domenico Lancelotti.

E aí entramos nesse disco, autoral e autobiográfico. “O tema gira em torno dos relacionamentos que vivi e como encarei as decepções, desilusões, relações abusivas, machismo, amores unilaterais. Bem, é um disco que me fez sofrer, refletir e seguir em frente. Me mostrou que o amor, por vezes, é feio, orgulhoso, mesquinho, egoísta, possessivo, mas também libertador, construtivo, intenso e avassalador”, explica a cantora em seu release.

“Foi uma sensação maravilhosa me desgarrar de todas essas histórias e deixá-las livres. Elas fazem parte do que hoje eu sou. Sofrer por amor é um fardo muito pesado. Se livrar desse peso é muito bom. Se permitir amar novamente, melhor ainda”, continua.

Com seus vários parceiros de composição, Aline discorre sobre suas coisas e sua vida. De forma que não deixa margem de erro para se dizer que esse som saiu de dentro, da alma.

Mas não é só isso que toca quem escuta “Serpente”. O disco traz uma coisa rara nestes dias. Uma inquietação em seus arranjos incomum no mundo do samba. Uma vontade de fazer diferente. E soar diferente importa demais nesse mundo de sons tão pasteurizados. O Domenico esbanjou talento na produção.

 

Estamos ouvindo algo verdadeiro. É esse o sentimento que desperta o novo disco. As coisas jorradas por Aline te fazem prestar atenção e aprender.

Para quem gosta de samba, esse ritmo tradicionalista no qual o comum são homens chorando suas mágoas, ouvir as “verdades” de Aline faz aprender. Te abrem para ser uma pessoa melhor em um mundo tão nebuloso, machista e misógino.

Outra coisa super louvável é que o disco se apresenta como uma ideia fechada, onde faz todo sentido escutar de cabo a rabo, com uma ideia complementando a outra. Particularmente, não faço questão disso, mas é muito bom quando um artista tem a competência para fazê-lo. Raros são os que conseguem nesse Brasilzão. Enumeraria nos dedos da mão.

O disco sai hoje nas plataformas digitais. Se liguem, escutem e espalhem a palavra.

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Rafael Mendonça

Jornalista, editor do site O Beltrano, editor da extinta revista ‘Graffiti 76% quadrinhos’, editor do Baderna Notícias e cuidador da própria vida.