O descaso com a ciência

Cientistas acusam governo Temer de decretar o fim da pesquisa no país


por Lucas Simões

Tamara Naiz – Presidenta da ANPG – Foto: ANPG

Pesquisadores de todo o país reunidos no 5º Salão Nacional de Divulgação Científica fazem nesta quinta-feira (20/7), às 11h30, na Escola de Engenharia da UFMG, na Pampulha, ato político pelas Diretas Já e contra o desmonte da pesquisa e das universidades públicas promovido no governo de Michel Temer.

Leia o Manifesto: https://goo.gl/4iQzEY

Não é sem motivos a revolta dos cientistas brasileiros com Temer. Nos últimos 20 anos, o Brasil avançou francamente nas pesquisas científicas. Ainda no governo FHC, subiu sete pontos no ranking mundial de produção acadêmica. Depois, na era Lula e Dilma, galgou da 24ª para a 13ª posição, liderando os avanços da ciência na América Latina desde então, segundo a Thomson Reuters – que detém a maior base de dados do mundo sobre trabalhos acadêmicos. Em apenas um ano de governo Michel Temer, porém, os cortes na área de ciência, tecnologia e produção acadêmica ameaçam fazer desabar a classificação brasileira.

Apesar de constar no site do Governo Federal um investimento de “R$ 1,7 bilhão para recompor integralmente o orçamento da ciência”, o próprio governo contingenciou em 44% toda a verba do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Esse é o orçamento mais baixo da área em 12 anos: um corte de R$ 2,2 bilhões, nos R$ 5 bilhões previstos originalmente. Além disso, o Ministro da Educação, Mendonça Filho, também conseguiu emplacar o corte de 45% dos repasses obrigatórios do MEC às universidades federais, representando uma perda de R$ 350 milhões para as 63 instituições do país, o que afeta diretamente as pesquisas.

“Isso significa que nem as pesquisas que vinham sendo feitas poderão continuar, incluindo as pesquisas pioneiras que o Brasil faz na área médica. Significa que salários talvez não sejam pagos, bolsas também não. É uma situação desesperadora porque um dia de corte na ciência representa um atraso de anos, décadas. Não se pode desligar uma geladeira hoje e voltar a pesquisar semana que vem de onde você parou. Haverá um atraso inestimável, de anos, em tão pouco tempo de retrocessos”, alerta Tamara Naiz, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

Super computador Dantos Dummond – Foto LNCC

Os sintomas do atraso se espalham. Neste mês, completa um ano que o supercomputador brasileiro Santos Dummont, situado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ), não opera mais. Considerado o maior da América Latina e um dos 200 mais potentes do mundo, o computador é essencial nas pesquisas sobre Alzheimer e o vírus Zika, e teve um investimento de R$ 60 milhões para entrar em operação em 2015. Apesar disso, o governo federal alega agora não ter como custear as despesas de energia, que consomem R$ 500 mil mensais.

“O supercomputador foi desligado algumas vezes. Parece que ainda operava no ano passado, mas agora não mais. Tudo porque o governo não tem como pagar a conta de energia. Não sei como isso pode ser mais absurdo. Eles não acham que isso é investimento e simplesmente preferem desligar a máquina para economizar. Já fizemos um pedido para o funcionamento integral do computador, porque ele não pode ficar desligado. Corre o risco de comprometer seu funcionamento. Mas não fomos atendidos”, diz Tamira.

Além disso, os bolsistas de graduação que ainda desenvolvem a formação acadêmica em pesquisas científicas devem sofrer ainda mais com os cortes. Em medida inédita no ano passado, o CNPq diminuiu em 20% suas bolsas de iniciação científica no país. E devem continuar em queda no segundo semestre, segundo Tamira Naiz. Para contornar esse problema, algumas instituições assumiram com o próprio orçamento as bolsas, como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que desde agosto do ano passado arca com o custo de 118 bolsas de iniciação científica.

Super computador Santos Dummond – Foto LNCC

“Pelo menos 20 mil bolsas de iniciação científica foram cortadas até agora e a tendência é que as universidades apertem os cintos mesmo. Ainda não há um comunicado oficial, não sei se terá, mas outros cortes vão acontecer porque simplesmente não há verba. Temos casos de doutorandos que não têm bolsa ou têm que dividir com colegas. Um pesquisador da ANPG preferiu ficar na Alemanha porque lá o governo ofereceu bancar sua pesquisa. O governo Temer colocou claramente uma barreira para que novos atores não adentrem no universo da pesquisa, não façam descobertas, não levem o país adiante”, diz Tamira.

Base de Alcântara – Foto: FAB

Alcântara

Outra medida preocupante no âmbito da ciência é a abertura da Base de Alcântara para a exploração de países como Estados Unidos, Israel, Rússia e França. Em maio deste ano, o ministro da defesa, Raul Jungmann, comunicou um acordo entre Brasil e EUA para que os americanos sejam os primeiros a utilizar o centro de lançamentos espaciais, provavelmente ainda neste ano. Ele também informou que franceses realizaram uma visita à base e devem ser os segundos a explorar a região.

Situado no Maranhão, o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) está em uma das regiões mais privilegiadas para lançamentos espaciais do mundo. Sua localização praticamente na linha do Equador, ou seja, no ponto mais próximo da superfície da terra em relação ao espaço, garante uma economia de 30% de combustível para colocar satélites e foguetes em órbita.

Apesar de o governo federal defender que a exploração de Alcântara geraria receita de US$ 1,5 bilhões (R$ 4,5 bilhões) aos cofres brasileiros, alegando que a base está praticamente parada desde 2001, Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, enxerga a proposta como “pouco ou quase nada de interesse nacional”. O principal receio dele é que os acordos limitem as expansões científicas brasileiras, como quase aconteceu no início dos anos 2000.

“No fim do mandato FHC, houve um acordo similar, mas que o Lula acabou vetando no Congresso quando assumiu, em 2003, e que o ministro dele na época, Roberto Amaral, chamou de ‘lesa-pátria’. O problema é que os EUA exigiam uma série de restrições ao Brasil, como não poder firmar cooperação espacial com outros países, estar impedido de usar a tecnologia americana desenvolvida em Alcântara ou mesmo utilizar a receita do aluguel da base para desenvolver satélites nacionais. Como o governo Temer começou a costurar esse acordo por debaixo dos panos, sem debater com a sociedade, acredito que o acordo possa manter esses termos obsoletos, ou alguns deles, que impedem o avanço do Brasil na ciência e entrega de mão beijada uma área privilegiadíssima”, diz Davidovich.

Além desse cenário, o professor ainda destaca a disputa pelo território quilombola na região de Alcântara. Em 1983, para implantar o CLA, o governo federal desapropriou 321 famílias quilombolas que viviam na região de 62 mil hectares. Atualmente, a Força Aérea Brasileira (FAB) diz que usa uma área de 8.713 hectares para realizar as atividades operacionais. Porém, com os acordos para exploração da área pelos EUA, a FAB reivindica o aumento da área de trabalho para 12.646 hectares.

O problema é que a expansão prevê uma nova remoção de famílias da região litorânea de Alcântara, que vivem basicamente da pesca e da cerâmica. Segundo o Ministério da Defesa, as famílias realocadas seriam transferidas para uma área de 42 mil hectares “devolvida” aos desapropriados do território na década de 1980. “Essa proposta foi recusava pelas comunidades quilombolas e também pelo Movimento dos Atingidos pela Base Especial e Alcântara (MABE). Justamente porque eles sabem que essa expansão, apenas para ceder espaço a países estrangeiros numa exploração ilegítima, vai prejudicar a pesca na região, cercear ainda mais as terras dos quilombolas e afetar diretamente o cotidiano deles com máquinas pesadas”, completa Davidovich.

Atualmente, o ministro Raul Jungmann mantém conversas com a Embraer Defesa, com o BNDES e a Casa Civil para conseguir apoio à exploração de Alcântara. Uma das ideias do ministro é fazer lobby com a empresa brasileira Visiona Tecnologia Espacial, que contratou da empresa francesa Thales o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC).

“Estão abrindo as portas de todos os jeitos. Querem garantir a exploração americana primeiro, depois a francesa, que praticamente já tem um satélite pronto para operar. Queremos o avanço da ciência, mas não abrir mão de fazermos pesquisas próprias, enquanto outros países abusam de nossas melhores riquezas e potências”, completa Tamara Naiz, da ANPG.