A consagração do “rouba, mas faz”
Por João Gualberto Jr.
A pesquisa Datafolha publicada neste mês mostrou que Lula lidera todos os cenários de projeção de disputa presidencial e com boa margem, cerca de 20 pontos percentuais de frente. Mais do que isso, em especulações de segundo turno, o petista bate qualquer adversário hipotético, como Marina Silva, Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, João Doria e até Sérgio Moro, que diz não ser político e não é filiado a partido.
A sondagem, que ouviu quase três mil pessoas, foi a primeira realizada pela empresa depois da condenação de Lula a nove anos e meio de prisão pelo imbróglio do apartamento tríplex de frente para o mar no Guarujá (SP). Moro, capitão da operação Lava Jato na Justiça Federal em Curitiba, anuiu à acusação dos procuradores de que o imóvel evidencia prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ex-presidente recorre em segunda instância. Se a condenação for mantida pelo TRF da 4ª Região, em Porto Alegre, o réu será afastado de qualquer disputa eleitoral, como determina a Lei da Ficha Limpa.
Sendo essa somente uma das seis, sete, oito, das inumeráveis denúncias que tramitam nos tribunais, como as pessoas votariam em um cidadão com tamanha ficha corrida para, pela terceira oportunidade, dirigir os rumos do Brasil? Ora, ele já é um condenado! Comprariam um carro usado de Lula? Emprestariam-lhe dinheiro? Por que confiar outra vez nele para ocupar o cargo máximo do país?
Certamente, aqueles que indicam intenção de voto ao líder eterno do PT, apesar de todos os indícios noticiados, entendem ser ele um perseguido injustiçado. Talvez, em parte, mas não é o caso. O mesmo Datafolha, em outra parte da pesquisa, publicada no dia seguinte, mostrou que 54% dos entrevistados defendem a prisão de Lula. Há, sem dúvida, entre os eleitores dele, aqueles que creem em inocência. Contudo, se 35% do grupo pesquisado afirmam intenção de votar no ex-presidente em 2018 e, do mesmo contingente, 54% querem vê-lo preso, logicamente, uma parcela significativa é coincidente, isto é, acha justa a condenação e, ainda assim, gostaria de conferir a ele um terceiro mandato presidencial.
É uma inequívoca mostra da preferência pela leitura do “rouba, mas faz”. É a única interpretação que cabe. Seria o indestrutível lulismo o novo malufismo? Para tentar entender essa associação, e também justificá-la, convém descrever o perfil do eleitor lulista de 2017. De acordo com os cruzamentos do Datafolha, 52,5% vivem no Nordeste ou no Norte do Brasil; 80% têm ensino médio, no máximo; e, o mais significativo, 77% são membros de família com renda de até três salários mínimos mensais. Entre os mais ricos, com renda familiar acima de 20 mínimos, Lula tem 0% de intenção.
Dos 54% que se disserem favoráveis à prisão do ex-presidente, evidentemente que há também os mais pobres e menos instruídos, como há eleitores dele. São tolas essas pessoas que querem a condenação daquele que anseiam ver na Presidência? Nada. Lula presidente representa, para o pobre de baixa instrução, especialmente habitante das regiões menos prósperas do país, um retrocesso de 12 anos, quando se sentiam otimistas, esperançosos e orgulhosos de si. Se pouco do que se usufruiu sustentou-se em década e meia, talvez nisso resida a fragilidade daquela esperança. Mas era um sentimento genuíno.
Eleitor desse perfil se reconhece e depende do Estado como pai, como provedor de mobilidade social, como garantidor de subsistência. Estado é o guincho para quem vive atolado na miséria. Há uns meses, viralizou um vídeo de Alexandre Kalil com exatamente esse corte. Ele dava uma entrevista em que criticava a imprensa por se dedicar demais às futricas da grande política e desprezar o povão. O prefeito de BH disse compactuar com o desejo de querer que Temer vá à PQP, mas que o fundamental, na realidade, estaria no remédio e no bom atendimento na unidade de saúde, no livro didático e no bom professor na escola. Não importa se seja Dilma, Lula, Temer, Aécio etc., o que valeria é a promoção social concreta.
Pois bem, o “rouba, mas faz” é a interpretação: “se todos são corruptos, opto por aquele que pensa e trabalha por mim, em alguma medida, visando à melhoria de minha realidade de pobreza”. Apesar de tê-lo por corrupto – e considerar justa sua condenação –, a referência histórica dos anos de lulismo vive no imaginário dessas pessoas, não obstante a perecibilidade de uma inclusão pelo consumo baseada num programa de transferência direta de renda.
As pessoas pobres dependem do poder público para (sobre)viver. Não existe estrutura social no Brasil, com seu legado de quase quatro séculos de escravidão, que dê condições à base da pirâmide de progredir com as próprias pernas. Nas áreas sociais da administração pública, qualquer política de viés liberal – que constitui mais uma não-política, na verdade – tem indelével cheiro de abandono, impregnado na nossa pele desde 1888 ou mesmo antes. E, pela aparente contradição da pesquisa, vê-se que probidade na política é prioridade só para quem tem barriga cheia, casa própria e filho na universidade.
Por essas e por outras que candidatura liberal a presidente da República, seja por sinceridade ideológica ou coerência biográfica, é suicídio eleitoral. Privatismo, ajuste fiscal, cortes em programas sociais e coisas do tipo são agenda elitista, e o povão sabe o que é isso, ou sente pelo menos.
Viabilidade eleitoral requer discurso e plataforma populistas. Essa é uma marca histórica e cultural de nossa macropolítica. Acontece que tal personagem calha melhor em uns candidatos do que em outros. O getulismo ainda dá as cartas por aqui, e só o desenvolvimento proporcional, com redução de nossa abissal desigualdade (como alertou Thomas Piketty), é capaz de sepultar esse ranço eleitoreiro. Pois estamos carecas de saber que campanha é uma coisa e mandato, outra.
Política
João Gualberto Jr.
Jornalista, economista e cientista político.