Chineses ameaçam fábrica da Fiat de Betim


Por Homero Gottardello

Foto: FCA/Divulgação– Fábrica da FCA, em Betim: enquanto Brasil se desindustrializa, governo chinês impulsiona ofensiva global de US$ 1,5 trilhão para os próximos dez anos

Na última semana, informações de bastidores davam conta de que a Fiat Chrysler Automobiles (FCA) seria vendida para uma montadora chinesa, o que gerou grande repercussão. O grupo, que uniu dois nomes expressivos das indústrias automotivas europeia e norte-americana, está à venda não é de hoje e só o mexerico a respeito do negócio foi suficiente para fazer suas ações subirem mais de 7% na Bolsa de Nova Iorque – um boato dava conta de que a FCA havia negado uma proposta acima de seu valor de mercado, o que é impossível de ter acontecido.

Um dos fabricantes apontados como candidato à compra, a Geely, se apressou em desmentir o negócio. Mas a Great Wall, chefiada pela toda-poderosa Wang Fengying, confirmou seu interesse na Jeep. “Queremos nos tornar o maior fabricante de utilitários-esportivos (SUVs), em nível mundial, e a compra da Jeep faz parte desta estratégia”, disse o secretário do conselho administrativo da marca, Xu Hui, ao jornal norte-americano “Automotive News”.

Não é de hoje que o chefão da Fiat Chrysler Automobiles, Sergio Marchionne, tenta convencer outro grande grupo automotivo a somar forças com a FCA para baratear custos operacionais e de produção, sem o que a própria sobrevivência da gigante estará em xeque. Marchionne ouviu “não” da General Motors e da Volkswagen que, além de serem concorrentes diretas da FCA, também são muito maiores em vendas e faturamento. Já a Great Wall não é tão grande – bom, pelo menos por enquanto. Fundada em 1984, ela é, hoje, a sétima maior montadora da China, com 3,8% de participação no mercado doméstico. No ano passado, ela vendeu pouco mais de 30 mil veículos na China, queda de 66% em relação a 2015. Já sua subsidiária Haval, que só faz picapes e SUVs, cresceu mais de 40%, com mais de 930 mil unidades comercializadas. A subsidiária que fabrica jipões é, portanto, muito maior que a própria controladora.

Hoje, o grupo ocupa a 25ª posição mundial no ranking mundial de montadoras, muito à frente de Dodge, RAM, Chrysler e Lancia – que são outras marcas da FCA. Com a compra da Jeep, a Great Wall pularia para a nona colocação global, deixando a Fiat na 17ª posição. A consultoria Morgan Stanley avaliou a FCA em US$ 32 bilhões, e a Jeep, sozinha, em US$ 33,5 bilhões – a Great Wall tem um patrimônio líquido de US$ 6,8 bilhões. “Somos um companhia que trabalha com grandes margens, temos uma boa reserva e acesso ao mercado de capitais que nos permite bancar este negócio”, garantiu Hui.

Mas quais implicações de um negócio deste porte para a subsidiária brasileira da FCA e a fábrica da Fiat de Betim?

Bom, primeiramente, desemprego. Uma das preocupações do governo italiano vem tendo, desde que uma “consolidação” com outra gigante do setor foi ventilada por Marchionne, diz respeito ao fechamento de postos de trabalho. O problema é que a FCA é, hoje, uma empresa holandesa com sede em Londres (Inglaterra) e, portanto, até uma proposta de acordo trabalhista chegar à caixa de correio londrina do grupo, seus ex-operários italianos já terão morrido de inanição. Aqui, no Brasil, a fábrica mineira de Betim fechou quase 30% de seus postos de trabalho nos últimos anos, o que (oficialmente) foi atribuído à adequação de sua produção à queda abissal verificada nas vendas.

Não há, absolutamente, o menor interesse por parte da Great Wall e de qualquer outra montadora na Fiat – apenas na Jeep.

Desindustrialização

Enquanto o Brasil congela gastos infraestruturais e vai se desindustrializando, o governo chinês banca a diretriz denominada China Outbound, que estimulará grupos domésticos a adquirirem ativos internacionais e assumirem o controle de indústrias que “marcam seu terreno”. Nos próximos dez anos, será investido US$ 1,5 trilhão – o equivalente a R$ 4,72 trilhões – neste plano estratégico. “As montadoras chinesas têm total apoio governamental, neste momento”, avalia o presidente da consultoria Dunne Automotive, Michael J. Dunne, que atua no mercado asiático há 25 anos. “É uma ofensiva muito forte, que representa um aumento de 70% nos aportes atuais”.

Não é preciso ser Mãe Dináh para saber que se for, realmente, vendida ao grupo chinês, o mais provável é que a planta de Betim fechará ainda mais postos de trabalho ou até mesmo as portas, já que ela tem um custo operacional muito mais alto que o da fábrica pernambucana. Os veículos que saem de suas linhas de montagem estão no final de seu ciclo de vida e/ou com um desempenho comercial muito abaixo daquilo que justificaria sua continuidade, para os chineses. Como já disse, o que atrai qualquer comprador, neste momento, é o potencial das marcas Jeep (crescimento nas vendas globais de 15,2%, só em 2016) e RAM (8,1%, idem) – o resto iria no pacote, já que, em termos qualitativos, os modelos chineses já alcançaram o mesmo padrão dos Fiat (queda nas vendas globais de 4,2% em 2016).

Hoje, a FCA possui 162 operações fabris, além de 87 centros de pesquisa e desenvolvimento, em nível global. Trata-se de um elefante branco, é verdade. Mas os chineses estão de olho é nos cerca de 2.600 concessionários norte-americanos, uma rede de distribuição capaz de viabilizar os mais ambiciosos planos. Marchionne também garante que as metas financeiras definidas em 2014 – e que chegaram a ser ridicularizadas, na época – devem ser atingidas, no ano que vem. O chefão tem grande mérito na reorganização dos negócios do grupo, mas não é segredo para ninguém que ele gostaria de deixar a liderança do grupo consolidando sua fusão ou venda. “Precisamos remunerar nossos acionistas na medida máxima das possibilidades da companhia”, declarou Marchionne.

A fala do big boss deixa claríssimo que, se existe algo que os grandes capitalistas não têm é apego por algo além de dividendos. Portanto, se você trabalha na FCA, é bom ir preparando o currículo, porque o pior está por vir…

Veículos

Homero Gottardello
 

Jornalista especializado na área automotiva, com mais de 20 anos de experiência na cobertura do setor