A integração metropolitana

Revisão dos planos diretores de onze municípios da RMBH repensa conceitos urbanísticos e ambientais


Por Petra Fantini

Publicado em 29/06/2018

 

Em breve, onze dos 34 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte contarão com novos planos diretores formulados com base em conceitos sócio e ambientalmente conscientes, de forma a permitir a gestão conjunta da região. O processo de revisão dos planos foi oficialmente encerrado na última quinta-feira (28/06) durante seminário realizado na Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O evento contou ainda com a presença de representantes da Agência de Desenvolvimento Metropolitano (Agência RMBH), poderes Executivo e Legislativo, Ministério Público e de grupos de acompanhamento municipais.

Após criação da Agência RMBH em 2009, durante a gestão do governador Antônio Anastasia (PSDB), o governo estadual desenvolveu até 2011 o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH), que formaliza as diretrizes para o desenvolvimento sustentável e integrado dos municípios da região nas próximas décadas. O projeto foi elaborado por uma equipe de 180 especialistas de diversas áreas liderada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas), Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), representantes da sociedade civil e das gestões públicas municipais e estadual.

Três anos depois, em 2014 a UFMG foi contratada para o próximo passo do planejamento da RMBH orientado pelo PDDI, o desenvolvimento colaborativo do Macrozoneamento, que organiza e estabelece as diretrizes para o uso e a ocupação das áreas de interesse comum da metrópole. Assim, foram definidas as Zonas de Interesse Metropolitano (ZIMs), territórios em que o interesse metropolitano prevalece sobre o local; além das Áreas de Interesse Metropolitano (AIMs), porções do território voltadas para a implementação de políticas do PDDI.

A revisão dos planos diretores municipais, que vinha sendo feito pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG em parceria com a Agência RMBH desde 2016, é a terceira parte deste trabalho. Baldim, Caeté, Capim Branco, Itatiauçu, Jatuatuba, Mateus Leme, Nova União, Rio Manso, São Joaquim de Bicas, Sarzedo e Vespasiano foram os municípios que aceitaram o convite estadual para fazer parte da reformulação conjunta e compatibilizar a legislação e a gestão do território municipal com as diretrizes propostas pelo PDDI e o Macrozoneamento Metropolitano.

Todos os municípios que fazem parte de regiões metropolitanas, por força da legislação federal, são obrigados a elaborar planos diretores municipais e fazerem atualizações a cada 10 anos. “E essa obrigação tem sentido não só em função do porte dos municípios, mas porque há uma situação integrada, há funções que se sobrepõem”, diz Flávia Mourão, diretora-geral da Agência RMBH. Na época do início dos trabalhos, foi feito um acordo entre a prefeitura de Belo Horizonte e o governo estadual de que o plano diretor da capital não faria parte da reformulação se não nos pontos de contato com outros municípios.

O projeto belo-horizontino corre então de forma autônoma, aguardando aprovação na Câmara Municipal. Já os planos municipais revisados usam a mesma base e elementos do Macrozoneamento de nível metropolitano, segundo o coordenador do projeto no âmbito da Cedeplar, o professor de Economia e de Urbanismo Roberto Monte-Mór. Esta é uma exigência do Estatuto da Metrópole (https://goo.gl/WhAVbM) que já era seguida em Minas Gerais antes mesmo da lei federal.

“A grande preocupação é levar para as legislações municipais instrumentos que permitam não só o desenvolvimento do município de acordo com suas realidades locais, mas que favoreçam essa integração com os vizinhos”, declara Flávia.

Projeção Universal Transversa de Mercator
Fuso 23S – Datum SAD 69
Fontes: IBGE e GEOMINAS
Elaboração: Ana Clara Moura e
Danilo Marques ®
Março/2010

Integração municipal

Entre as novidades trazidas pelo Macrozoneamento está a Trama Verde e Azul, conceito de conexão do ambiente metropolitano trazido da experiência francesa que visa a melhoria da qualidade ambiental da região. A proposição reúne uma Rede de nascentes, corpos d’água, áreas de preservação permanente (APPs), unidades de conservação e outras áreas de relevante interesse ambiental, incorporando eixos viários, equipamentos e espaço livres de uso coletivo e áreas vazias ou degradadas passíveis de recuperação.

“Na França a Trama tem um sentido eminentemente ecológico, mas nós transformamos isso em um sentido urbano natural. Ou seja, além da recuperação do verde e da água, nós trouxemos toda a questão do patrimônio cultural, natural, pontos de encontro”, explica Roberto. O objetivo é criar espaços de valorização ecológica, de recuperação hídrica e vegetal, mas principalmente que integrem todos esses espaços de proteção: cultural, natural, histórica e de lazer.

A Universidade possui grupos de acompanhamento nos municípios, formados por estudantes de diversos cursos orientados por professores, que estão ajudando as gestões municipais a identificar os pontos prioritários para a implementação dessa Trama, os chamados Lugares de Urbanidade Metropolitana (Lumes).

A nova legislação também faz mudanças na lei de zoneamento tradicional, flexibilizando-a. “Os municípios têm as Áreas de Diretrizes Especiais (ADE), como no Santa Tereza ou Pampulha, que possuem um zoneamento específico. Então nós criamos as Zonas de Diretrizes Específicas Metropolitanas (ZDEMs), que são subzoneamentos. Ou seja, é possível ter por exemplo uma zona de proteção e no meio dela uma mineração”, diz o pesquisador.

Além das zonas já existentes de Territórios Minerários, Interesse Social, Grandes Equipamentos, Áreas Urbanas Consolidadas e Indústria e Logística, foram criadas a da Trama Verde e Azul, que apresentam atributos ambientais relevantes como nascentes, corpos d’água e paisagens notórias; e a de Requalificação, áreas com infraestrutura urbana deficiente ou cuja regularidade urbanística dependa da realização de intervenções estruturantes. Esta segunda categoria restringe o perímetro urbano ao mínimo possível, só às regiões ocupadas ou que sejam desejáveis de ocupação.

Assim, o território que era de expansão urbana volta a ser considerada área rural. Roberto explica que “as zonas de transição podem eventualmente ser transformadas em zonas urbanas, implicando um imposto de outorga de mudança de uso que de certa maneira traz recursos ao município e limita um pouco esse processo de esgarçamento e expansão muito grande do espaçamento urbano”.

O pesquisador avalia que trabalhar com o governo estadual está entre os maiores desafios do projeto, devido à falta de pagamento. Outro complicador é conseguir lidar com onze revisões ao mesmo tempo, cada um com nove produtos, e se relacionar com as comunidades. Os grupos de acompanhamento nos municípios são compostos por até 16 pessoas, com representantes da prefeitura, Câmara e sociedade civil, portanto conflitos internos são constantes. “A posição da Universidade é muito privilegiada no sentido de ter muita legitimidade e não depender de articulações políticas. Municípios pequenos veem a Universidade como interlocutor legítimo entre eles e o Estado, então nosso trabalho conjunto tem sido interessante”, diz Roberto.

Flávia Mourão, por outro lado, destaca o processo de especulação imobiliária como problemática na expansão das fronteiras dos municípios. Os perímetros urbanos estão sendo expandidos a partir da compra de fazendas para a construção de condomínios fechados destinados a famílias de classe média alta. “E cada vez mais isso dificulta a gestão do município, porque outras áreas são incorporadas à cidade mesmo sem ter completado os vazios urbanos que já existem, forçando a prefeitura a assumir custos cada vez maiores com relação à infraestrutura de manutenção”, explica a diretora-geral. Durante o processo de discussão alguns municípios aceitaram reduzir o perímetro urbano, o que força que as ocupações aconteçam mais próximas ao núcleo de cada cidade.

Além disso, outra questão sendo introduzida é a obrigatoriedade de que a cada novo loteamento sempre se preveja o percentual de área, que pode ser o mesmo loteamento ou outra área que o município indicar, para a construção de habitações de interesse social. A medida tenta suprir a demanda de falta de acesso à moradia de classes econômicas mais baixas, principal causador das ocupações urbanas irregulares.

“Mas eu acho que o desafio maior é a gente tentar montar um sistema de planejamento permanente, que é o que a Universidade sempre pretendeu. Os Lumes e grupos de acompanhamento vão nessa direção, de criar espaços e conselhos dentro dos municípios que signifiquem um fortalecimento da participação da população e um acompanhamento permanente do processo de planejamento”, define o pesquisador Roberto Monte-Mór. A Universidade tem tentado driblar a crise econômica causada pelos cortes federais na educação para proporcionar capacitações e internatos metropolitanos, com assessoria e acompanhamento de alunos e professores das ações dos municípios nas áreas de planejamento.

Futuro

Os projetos de lei de cada município estão sendo concluídos para então serem enviados às respectivas Câmaras legislativas, com a mediação dos grupos de acompanhamento. A Agência RMBH já fechou termos de contratação para dar apoio a outros seis municípios da região metropolitana que solicitaram a revisão de seus planos diretores posteriormente.

Flávia espera que empresários possam escolher municípios para empreender não mais por causa de especificações nas legislações, que serão parecidas, mas sim em termos de benefícios de planejamento. A Agência também está elaborando o Plano de Mobilidade Metropolitana, que se integra às mudanças urbanísticas. “Aos poucos a gente vai consolidando um processo de planejamento que a gente espera que realmente possa dar uma outra cara para a nossa região metropolitana”, conclui Flávia.